Vivemos a transição definitiva das redes sociais para plataformas de recomendação algorítmica, onde o conteúdo que consumimos já não depende de quem seguimos, mas sim de quanto tempo conseguimos prender a atenção de um algoritmo.
Ben Thompson chama isso de “Recommendation Media”, um modelo onde a distribuição é definida por dados, e não por relações. O TikTok popularizou esse paradigma, mas o Instagram seguiu o mesmo caminho, assumindo que o futuro da atenção digital não está no “social graph” (a rede de amigos), mas no “interest graph” (o que realmente nos entretém).
As consequências desta mudança são profundas: os criadores já não competem por seguidores, mas por milissegundos de atenção. O conteúdo mais relevante não é o mais partilhado pelos amigos, mas o mais eficaz em provocar um scroll stop. E mais do que isso, as plataformas estão a moldar o que vemos, o que ignoramos e, inevitavelmente, o que acreditamos.
Isso é potencialmente perigoso. Porque se antes a curadoria era humana, baseada em quem escolhemos seguir, hoje ela é opaca, automatizada e comercial. A atenção tornou-se o novo petróleo, e as plataformas estão a perfurar os nossos comportamentos para extrair cada gota de tempo.
Outras notícias para ler:
- Piri-Piri: a rede social para desabafos da juventude moçambicana
- “Ter poucos utilizadores é uma bênção, e o seu produto digital precisa disso”, Benjamim Paulino
Mas há também uma oportunidade aqui. Este novo modelo é democrático na aparência: não importa se és famoso, desde que cries algo envolvente. Talento escondido pode viralizar. Pequenos criadores podem competir com grandes nomes. Na prática, no entanto, o poder real continua concentrado, não nos criadores, mas nos donos dos algoritmos, que decidem o que tem ou não tem alcance.
Na Kabum Digital, temos reflectido sobre isso há quatro anos: como amplificar vozes autênticas num cenário cada vez mais dominado por fórmulas de retenção? Como garantir que a criatividade local, cultural e afrocentrada continue visível num feed moldado por máquinas?
O desafio é não perdermos a nossa identidade numa corrida pela visibilidade. É possível inovar sem ceder à lógica rasa da viralização. A tecnologia deve ampliar histórias, não achatá-las.
As plataformas estão em guerra por atenção. Mas nós, criadores, devemos estar em missão por relevância. Porque enquanto o algoritmo aprende o que gostamos, cabe-nos lembrar por que criamos.
No fim, o futuro digital não será decidido apenas por IA, dados ou interfaces. Será decidido por quem ousar contar histórias que nenhum algoritmo foi treinado para prever.
Por: Nélio Macombo || Kabum Digital