Foi presenciando uma situação em que um deficiente visual não se apercebeu dos obstáculos à sua frente, que o jovem moçambicano João Rêgo Júnior, estudante de Engenharia Electrónica e Especialista em Robótica, decidiu criar os óculos inteligentes designados Vision Hope (Esperança na Visão).
Os óculos inteligentes surgem numa recriação da sua solução inicial de módulos robóticos, capazes de detectar os obstáculos e conseguir desviar-se deles, inicialmente criados para resolver o problema.
Premiados no Jovem Criativo 2022, os óculos têm a capacidade de identificar e detectar obstáculos num raio de visão de cerca de 100 graus, cobrindo uma boa parte daquilo que é a visão humana, que é de cerca de 140 graus para cada olho (visão monocular) e cerca de 180 graus para ambos os olhos (visão binocular).
Uma vez identificados os obstáculos, o utilizador recebe uma vibração no lado em que estes se encontram. Caso esteja do lado esquerdo, a vibração ocorre no lado esquerdo, e vice-versa.
Não se trata apenas de vibrar quando o obstáculo está identificado, o acessório possui uma vibração calibrada, que foi estudada de forma a sinalizar a proximidade do obstáculo com uma vibração gradual.
“Quanto mais me aproximo do obstáculo, mais vibra, fornecendo-me informação sobre o obstáculo. Quando a pessoa que utiliza os óculos se aproxima de um obstáculo, se este não estiver completamente à sua frente, mas sim nos lados, os óculos emitem um sinal”,
explica o criador.
Além da vibração para a detecção de obstáculos, os óculos também contam com a integração com o sistema GPS, que permite com que familiares ou amigos do utilizador saibam onde a pessoa está e o nível de bateria dos óculos.
Uma solução amiga do ambiente
Devido à falta de certos recursos, como uma impressora 3D, João Rêgo foi obrigado a ser um amigo do ambiente, sendo que teve de recorrer a material reciclável para a criação da estrutura inicial.
“Hoje em dia temos impressoras 3D, mas estas não são baratas e mandar fazer fora também é muito caro. O principal desafio é, creio eu, a falta de acesso a recursos para criar algo mais profissional”,
explica em entrevista à Kabum Digital.
Óculos inteligentes não são novidade, por isso perguntámos ao jovem criador o que torna a sua solução diferente das demais já apresentadas. Segundo Rêgo, a diferença reside no tipo de sensor utilizado, sendo o dele mais preciso e eficaz, com a capacidade de efectuar um rastreio muito mais exacto. “Tem uma precisão incrível, incomparável com os sensores ultrassónicos”, afirma.
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Além disso, destaca-se a inteligência dos óculos, que permite identificar de forma antecipada os obstáculos ao redor do utilizador num raio de até 4 metros; a integração do sistema GPS, que rastreia os óculos; e o controlo e monitorização de carga.
“Todos esses dados, para o utilizador, podem não ter significado, mas para são essenciais. Trabalhamos com esses dados para que os óculos consigam identificar perigos. Por exemplo, se algo surgir de forma repentina, os óculos conseguem emitir um alerta preciso e indicar por onde a pessoa pode escapar”,
explica.
Outro diferencial é o sistema de carga. Ainda que com 100% de carga, os óculos conseguem ajustar o gasto consoante os obstáculos no ambiente, para poupar bateria. Com cerca de 10 sensores, os óculos conseguem identificar os obstáculos mais importantes e os menos relevantes, o que prolonga ainda mais o tempo de utilização da bateria.
Embora pudesse ser apenas um protótipo para posterior desenvolvimento, a primeira geração já foi testada, funcionou e, com base nos resultados, foram identificados pontos positivos e áreas a melhorar.
O nascimento de uma nova solução
Alguns dos aspectos a melhorar incluíam a intensidade da vibração, que era demasiado alta, sem capacidade de regulação; a frequência da vibração; o peso excessivo, que permitia às pessoas usar os óculos por menos tempo devido ao cansaço; e a estrutura, que assustava alguns utilizadores.
Para resolver esses problemas, o jovem desenvolveu uma nova versão, que será testada em breve para uma faixa etária definida, através da colaboração com o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério da Saúde e a Associação Nacional dos Cegos.
“A nova versão (0.2) apresenta várias melhorias, como os sensores, que são menos robustos que os da primeira versão. Agora, as pessoas conseguem notar alguns aspectos, como a redução do peso, que era um grande problema”, conta.
Esta nova versão também está mais inteligente, com uma precisão aprimorada, o que permite ao utilizador mover-se em ambientes movimentados e com interferências.
Em termos tecnológicos, a primeira versão usava um sistema de ecolocalização, em que o dispositivo emite uma onda e esperava pelo retorno. Para a nova, optou-se por um sistema semelhante ao laser, capaz de identificar o obstáculo e emitir o sinal correspondente.
Pessoas cegas podem andar na rua sem precisar de bengala
Com a introdução da solução na sociedade moçambicana, João deseja promover uma maior inclusão dos deficientes visuais, para que estes tornem-se independentes na gestão das suas actividades diárias, sem necessidade de assistência.
“Espero que haja uma maior inclusão, que as pessoas cegas possam andar na rua sem precisar de uma bengala, que caminhem como qualquer outro ser humano. Podemos alcançar isso, talvez, com a tecnologia.”
Para concretizar este sonho, João está embusca de financiamento, através de organizações que possam custear a produção dos óculos, e assim a sua fabricação em larga escala.
Para ambas as versões, o jovem está a trabalhar na integração de sistemas solares, como solução para o descarregamento da bateria, o que proporcionará maior tempo de utilização.